terça-feira, 26 de abril de 2011

E encontrar a unidade seria acordar

fb_3e5lW3UvOTDFJGjyt6I1

"Há jardins imprevistos, mais subtis e complexos que o imaginável, onde crescem altas magnólias, com gandes flores brancas de pétalas profundas e largas, macias e espessas onde a água de prata que irrompe da boca dos golfinhos de pedra cai nos pequenos tanques oitavados. Jardins de buxo, camélias e violetas perfumados de contemplação e paixão, de esquecimento e silêncio. Jardins docemente abandonados a uma solidão dançada pelas brisas, enquanto um longo sussurro de adeus acena de folha em folha nos ramos mais altos das árvores. Jardins onde reconhecemos que a vida é um sonho do qual jamais acordamos, um sonho onde irrompem aparições prodigiosas como o lírio, a águia e o inesquecível rosto amado com paixão, mas onde tudo se transforma em esquecimento, distância, impossibilidade e detrito. Jardins onde reconhecemos que a nossa condição é não saber. É não poder jamais encontrar a unidade. E encontrar a unidade seria acordar."


Sophia de Mello Breyner Andresen, "Histórias da Terra e do Mar"




http://voxnostra.blogspot.com/

HEITOR VILLA LOBOS - O Trenzinho do Caipira

sexta-feira, 15 de abril de 2011

...no terceiro minuto a partir do crepúsculo

o mar a enrolar


O CHEIRO DAS ONDAS NO INSTANTE EM QUE O AR É MAIS FRIO DO QUE A ÁGUA

Normalmente é no terceiro minuto a partir do crepúsculo que o ar da praia é mais frio do que a água . Não no segundo nem no quarto: no terceiro e durante onze segundos, o que requer discernimento, atenção e paciência. O melhor é encostarmo-nos à muralha, de queixo na palma, vigiar as gaivotas, dar fé da mudança de cor no horizonte e nisto, mal o terceiro minuto começa, tira-se a palma do queixo para que o ar poise nela e aí está: pega-se no ar da praia, mete-se no bolso e leva-se para casa sem deixar entornar. Tem que se utilizar logo visto que no dia seguinte, a partir das dez, já o ar aqueceu. Puxa-se com cuidado do bolso e respira-se devagarinho.

Sou feito de cardos e há palavras que deixei secar em mim ou a vida secou. Claro que vou escrevendo, vou respirando, até me acontece, às vezes, orvalhar-me. Mas escondo. Dantes fechava-me à chave na casa de banho para não ver o meu desespero. Depois abria a porta e saía a assobiar. Há alturas em que assobiar custa imenso. Fazia um esforço e conseguia, sem que ninguém notasse, uma revoada tímida de lágrimas. Podiam ser melros ou pombos ou assim, mas eram lágrimas. As lágrimas também podem fazer ninho nas árvores ou nas empenas dos telhados. Tenham paciência não falem comigo agora.

Que indignidade eu ter sido feliz, eu ser às vezes feliz. De modo que fico por ali um bocado, por acanhamento, por delicadeza e vou-me embora. Há-de chegar um dia em que não me irei embora. Tu, que não conheço ainda, ou imagino que não conheço, ajuda-me a ficar. Ocupo pouco espaço, quase não faço barulho, nunca grito, não incomodo ninguém. Leva-me contigo e ajuda-me a ficar. Tenho a ternura simples mas aos nós. Como as tuas unhas são mais compridas do que as minhas desata-me isto tudo.

É bom nascer no instante em que o ar é mais frio do que a água. Trouxe-o aqui no bolso para ti. Há-de haver, nalgum sítio, a minha última casa… no terceiro minuto a partir do crepúsculo, não nem no segundo nem no quarto, a inventar uma flor. Se não te importas conta-me uma história em que as pessoas casem no fim.


- António Lobo Antunes -

cores do meu pais- primavera

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A vida é bela III IV









http://contosparaquemquiserouvir.blogspot.com/

Woody Allen



Médico: porque é que o seu filho está deprimido?


Mãe de Alvy: Diz ao doutor Flicker! Doutor, é qualquer coisa que ele leu...


Médico: Qualquer coisa que leu, hein?...


Alvy (9 anos): O universo está a expandir-se.


Médico: O universo está a expandir-se?


Alvy: Bem, o universo é tudo, e se está a expandir-se, qualquer dia vai explodir e será o fim de tudo!


Mãe de Alvy: E o que é que tu tens a ver com isso? Doutor, ele até deixou de fazer os trabalhos de casa!


Alvy: E para quê, se o universo vai acabar?


Mãe de Alvy: Mas o que é que o universo tem a ver com isso? Tu vives em Brooklyn! E Brooklyn não está a expandir-se!


Médico: O universo vai continuar a expandir-se durante milhões de anos, Alvy. E devemos aproveitar o tempo enquanto andamos por cá.



In "Annie Hall" (1977), Woody Allen

A Mística Mais Doce

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSx2BuanWtvfCOpQbu4v41CmTbUrmW_UVOF4VKkEiXBqXUGRFi3kNxgSrA5S4aNXLbIN0-1a5jxnOYc0YqEvcDTTWzkdyXrhfdlY4Ll_V701RQv79ppD7DniQFJBVx5KH70bH7St6_YsY/s1600/gcb16.jpg via http://tribodejacob.blogspot.com/

Fernando Pessoa

Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que idéia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre a criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É correr as cortinas Da minha janela (mas ela não tem cortinas). O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol, E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem? "Constituição íntima das cousas"... "Sentido íntimo do Universo"... Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. É incrível que se possa pensar em cousas dessas. É como pensar em razões e fins Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão. Pensar no sentido íntimo das cousas É acrescentado, como pensar na saúde Ou levar um copo à água das fontes. O único sentido íntimo das cousas É elas não terem sentido íntimo nenhum. Não acredito em Deus porque nunca o vi. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta dentro Dizendo-me, Aqui estou! (Isto é talvez ridículo aos ouvidos De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, Não compreende quem fala delas Com o modo de falar que reparar para elas ensina.) Mas se Deus é as flores e as árvores E os montes e sol e o luar, Então acredito nele, Então acredito nele a toda a hora, E a minha vida é toda uma oração e uma missa, E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Mas se Deus é as árvores e as flores E os montes e o luar e o sol, Para que lhe chamo eu Deus? Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê, E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, E amo-o sem pensar nele, E penso-o vendo e ouvindo, E ando com ele a toda a hora. via http://jardimdeepicuro-apollonivs.blogspot.com/

sábado, 2 de abril de 2011

Three little birds





"Qual o meridiano que separa a boa onda da insensatez? É possível desenhar uma linha do equador nas nossas vidas, separando a positividade da alienação? Visitar Portugal neste momento traz essas e outras questões. Há tanto amargor que é natural o azedume que ensombra até as conversas mais leves.

Falso turista nessa que é (também) a minha terra, faço ouvidos moucos no intuito de equilibrar o humor dos meus amigos, tentando oferecer good vibes como ramos de alecrim. Nem sempre funciona, o que me deixa duplamente culpado. Por um lado, não tenho como tirar a razão de quem desespera ao perceber que, no circo que se armou à nossa volta, sobrou apenas o papel de carne para leão; por outro, a minha boa disposição é limitada: uma só andorinha não faz a Primavera.

Mas, como ela, a Primavera, insiste em aparecer lá fora, suponho que há outras andorinhas voando por aí nesse céu de azul tão único que temos. E é para elas, andorinhas teimosas, que fazem de trazer o bom tempo um propósito de vida, que escrevo algumas frases soltas para ajudar na tarefa.

Amigos meus, acreditem que é possível achar algo ou alguém em quem valha a pena acreditar. Duvidar, como todos os bons remédios, só funciona na dose certa. Não permitam que o cinismo entre nas vossas correntes sanguíneas de uma forma nociva. Se isso ocorrer, sugiro alguns antídotos: sardinhadas à beira do rio, abraços de filhos ou amigos, beijos da pessoa amada e muita poesia. Parafraseando um poeta, é preferível morrer de rimas do que de tédio. Aliás, não morram. Nem na vida, nem na praia. Tomem pulso da própria história. Cobrem. Sejam exigentes. Ser romântico não implica ser bobo. Apenas não deixem de sonhar (seja lá o que for; sonhar ainda não paga impostos). A desesperança é como Marte, um planeta impossível de se habitar. Eu sei que é difícil de fazer isso de bolso vazio. Mas a tarefa torna-se mais suportável se mantiverem o coração cheio. Prefiro continuar a imaginar que, no fim, tudo faz sentido. E que, se não faz sentido, é porque não chegou ao fim. Ou como diz o meu Tio Olavo: "Se não houver fruto, valeu a tentativa da flor. Se não houver flor, valeu a existência da árvore. Se não houver árvore, valeu a intenção da semente."

Andorinhas teimosas, agora é hora de ir. Atravessem nuvens, janelas, mentes, ouvidos. A vossa missão (a minha missão) não é esgrimir argumentos lógicos e técnicos, não é ter razão, não é ganhar debates, é sim fazer alguma Primavera (mesmo que ínfima) no Inverno dos cépticos. Eles podem até não saber disso, mas estão bem a precisar."

Edson Atayde
Partilhas da semana



Photoplanet

Mais do que um viajante, mais do que um fotógrafo. Um tipo deu a volta ao planeta, tirou 2 mil fotos e fez um belo vídeo. (No YouTube: “Around the world in 2000 pictures”)



Dogboarding Acha que andar de skate é difícil? E se a prancha fosse um cãozinho? Veja a resposta num vídeo para lá de divertido. (No YouTube: “Dogboarding”)



Que chata! Bem, às vezes a Terra fica chata. E o pior, cientistas conseguiram provar que ela não é redonda. (No YouTube: “GOCE Geoid”)

Vinícios de Moraes




Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

Vinícios de Moraes

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Tejo que levas nas águas

Em Portugal só é preso quem não tem dinheiro.


Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Leva nas águas as grades
...

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

Tejo que levas nas águas

Poema de Manuel da Fonseca