terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Passo horas a olhar para a minha gata."

Mas, se me permite, falarei do gato. Ou da gata, para ser mais preciso. É talvez o membro da família que eu mais inveje: será possível passar pela existência de uma forma tão serena, tão ociosa, tão elegante? […] Tudo nos gatos é insultuoso para nós e para as nossas vidas. A começar pela relação que eles mantêm com o tempo. Nós somos seres temporais por definição: vivemos sempre carregados de passado ou de futuro; do que fomos ou seremos; entre as memórias e as aspirações; e com a certeza da morte à nossa espera. Somos, numa palavra, patéticos. Esta específica temporalidade descentra-nos do presente, atira-nos para fora dele. Mas os gatos, pelo contrário, vivem cada momento de uma forma completa, total. E sabe porquê? O Mark Rowlands explica isso num livro notável sobre lobos: porque para os gatos, como para os lobos, a felicidade não se faz por adição - adição de novas experiências; novos lugares; novos objectos; novos projectos; novos amores. Essa dança macabra é só nossa. A felicidade dos gatos faz-se por repetição. Eles repetem o que lhes é significativo. Passo horas a olhar para a minha gata. Aprendi mais com ela do que em anos e anos de leituras filosóficas.

JPC, em entrevista à Pública

via
http://deolhosbemfechados.blogs.sapo.pt/

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