terça-feira, 16 de novembro de 2010

Aos que vierem depois de nós

1
Realmente, vivo em tempos sombrios!
A palavra inocente é tola. Uma testa sem rugas
Denota insensibilidade. Aquele que ri
Só ainda não recebeu
A terrível notícia.
Que tempos são estes, em que
Falar de árvores quase é um crime,
Porque implica silêncio sobre tantos horrores!
Aquele que ali cruza tranquilamente a rua
Já não está contactável pelos amigos
Que estão em apuros?
É verdade: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditem: é puro acaso. Nada
Do que faço justifica que eu possa comer até fartar-me.
Por acaso estou poupado. (Se a sorte me abandonar estou perdido).
Dizem-me: "Tu come, bebe! Alegra-te, que tens!"
Mas como posso comer e beber, se
Ao faminto arranco o que como, e se
O copo de água falta ao sedento?
Mas apesar disso como e bebo.
Também gostaria de ser sábio.
Nos livros antigos diz como é ser sábio:
É manter-se afastado das lutas do mundo e passar o breve tempo
Sem medo.
Também dispensar da violência,
Retribuir o mal com o bem,
Não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
Consta que é sábio.
Tudo disso não sou capaz.
Realmente, vivo em tempos sombrios.
2
Às cidades cheguei em tempos de desordem,
Quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos de revolta
E indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
Que me foi concedido na terra.
Comi o meu pão entre às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me encarreguei sem cuidado
E a natureza vi sem paciência.
Assim passou o tempo
Que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o carrasco.
Era muito pouco o que eu podia.
Mas os governantes
Se sentavam, sem mim, mais seguros, — esperava eu.
Assim passou o tempo
Que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas.
E o objectivo
Encontrava-se muito distante.
Via-se claramente,
Ainda que mal atingível, para mim.
Assim passou o tempo
Que me foi concedido na terra.
3
Vocês, que surgirão da maré
Em que perecemos,
Lembrar-se-ão também,
Quando falam das nossas fraquezas,
Dos tempos sombrios
De que puderam escapar.
Pois íamos, mudando mais frequentemente de país do que de sapatos,
Através das lutas de classes, desesperados,
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.
E, contudo, sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Distorce a cara.
Também a raiva sobre a injustiça
Torna a voz rouca. Ai nós,
Que quisemos preparar o terreno para a bondade
Não pudemos ser bons.
Vocês, porém, quando chegar o momento
Em que o homem seja do homem um amigo,
Lembram-se de nós
Com indulgência.
(Bertolt Brecht)



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JOSÉ O HOMEM DOS SONHOS

Que nome dar ao poeta
esse ser dos espantos medonhos?
Um só encontro próprio e justo:
o de josé o homem dos sonhos

Eu canto os pássaros e as árvores
Mas uns e outros nos versos ponho-os
Quem é que canta sem condição?
É josé o homem dos sonhos

Deus põe e o homem dispõe
E aquele que ao longo da vereda vem
homem sem pai e sem mãe
homem a quem a própria dor não dói
bíblico no nome e a comer medronhos
só pode ser josé o homem dos sonhos.

(Ruy Belo)

INFÂNCIA

Todas as árvores apaziguam
o espírito. Debaixo do pinheiro bravo
a sombra torna metafísica
a silhueta de tronco e copa.
Em volta da ameixoeira temporã
vespas ensinam aos meus ouvidos
louvores. As oliveiras não se movem
mas as formas da essência desenham-se
cada dia com o vento.

Na sombra os frémitos
acalentam o pensamento
até ao não pensar. Depois
até sentir a vacuidade
no halo de flores que o envolve.
Sob as oliveiras, por fim,
que não se movem contorcendo-se,
concebe o não conceber.

(Fiama Hasse Pais Brandão)









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